Conexão Social – Os educomunicadores estão chegando

A Rede CEP, articulada pelo Unicef, integra iniciativas de capacitação de jovens para lidarem com mídias, novas e antigas tecnologias. O projeto faz parte de uma estratégia moderna de educação que visa gerar visão crítica e participativa nos estudantes.


A Rede CEP, articulada pelo Unicef, integra iniciativas de
capacitação de jovens para lidarem com mídias, novas e antigas
tecnologias. O projeto faz parte de uma estratégia moderna de educação
que visa gerar visão crítica e participativa nos estudantes.
João Luiz Marcondes

“Quem edita um vídeo nunca mais vai ver televisão da mesma forma”, diz
Fernando Rosseti, autor do livro “Mídia e Educação”. Como verá, então?
Ora, de uma forma mais saudável, sem aceitar passivamente tudo o que é
jogado na telinha. Para o Unicef (do inglês United Nations Children’s
Fund, ou Fundo das Nações para a Infância), organismo da ONU, editar
vídeos, fazer jornais, sites, rádios ou qualquer mídia é educação. E
mais. A forma mais moderna, criativa e participativa de se ensinar. Por
isso, a instituição resolveu incentivar a reunião de projetos de
educação baseados em ferramentas de comunicação com o objetivo de criar
uma rede – a Rede de Comunicação, Educação e Participação (CEP).


Projeto Latanet: oficina para
professores em Belo Horizonte.
No ano passado, o Unicef apoiou, com recursos de R$ 65 mil, a Central
de Projetos, para a realização do seminário e a publicação do livro
Mídia e Escola – Perspectivas para Políticas Públicas (veja o quadro),
onde foram sistematizadas nove experiências brasileiras na área de
Educação, Comunicação e Participação em diferentes cidades brasileiras.
Tratam-se de projetos onde crianças e adolescentes aprendem a usar
ferramentas de comunicação (vídeo, fotografia, rádio, website) para
aprimorar seus estudos formais ou como forma de participação em suas
comunidades. Algumas dessas iniciativas foram apoiadas em anos
anteriores pelo Unicef, como a Oficina de Imagens, em Minas Gerais, e a
Cipó, na Bahia.

Os participantes da Rede CEP são organizações não-governamentais, ora
com apoio público, ora com apoio privado, que vão às periferias das

cidades, aos interiores do Brasil, a fim de capacitar jovens carentes
(embora nem sempre). Capacitar pode ser ensinar um trabalho, um ofício,
mas, no caso, é mais que isso, trata-se de educar e preparar para a
vida inteira. Em abril de 2004, durante a 4ª Cúpula Mundial de Mídia
para Crianças e Adolescentes, no Rio de Janeiro, a idéia da Rede CEP
foi lançada e ganhou a adesão de 13 instituições de várias partes do
Brasil.

Espaço multidisciplinar

A cidade de Nova Olinda, localizada entre a exuberância minguante da
Mata Atlântica e a aridez do sertão cearense, tem uma das mais
profissionais experiências do país no setor. A Fundação Casa Grande
nasceu em 1992. Seu objetivo inicial era resgatar a memória do Homem
Kariri, um povo índio, ancestral do sertanejo. Para tanto, foi
reformada uma casa do século 17, antigo ponto de comboeiros, à época do
Ciclo do Couro no Ceará. Logo, o projeto evoluiu. Filhos de
agricultores e pedreiros, que antes tinham como único entretenimento
ficar na rua, hoje são gestores capacitados e profissionais de mídia.
Dominam tecnologia. Num Mac G4, usam programas de edição como o After
Effects e o Final Cuts (mesmos utilizados por publicitários e
cineastas) para editar documentários exibidos em canais públicos.
A realização do projeto exigiu parceria entre diferentes setores: 
governo do estado, Instituto Ayrton Senna, Fundação Kellog,
Interamerican Foudations e BNDES, que investiu R$ 250 mil.


Adolecentes fazem programa na
rádio União.

Hoje, na Fundação Casa Grande, há projetos de rádio, design gráfico,
produção de HQs (histórias em quadrinhos) e teatro, sempre a valorizar
a cultura local. Mas não apenas isso. A rádio FM comunitária, que terá
seu alcance aumentado de 25 watts para 350 watts (ou, de 7 km para 150
km de alcance) toca blues e jazz, além de música regional. “Não é só
para o povo do sertão”, explica o publicitário Alemberg Quindins,
fundador da Casa Grande. Por meio do Unicef, o pessoal da ONG capacitou
200 pessoas em Moçambique, país africano de língua portuguesa. Em
função do projeto, Nova Olinda, cidade de 10 mil habitantes, já recebeu
mais de 3 mil visitantes. São estudiosos, curiosos e turistas, que
aproveitam a oportunidade para também conhecer a Chapada do Araripe.

Para o jornalista Fernando Rosseti, a educação tradicional, ministrada
nas escolas públicas brasileiras, caiu por terra. “Com as revoluções da
década de 90, notadamente a internet e o terceiro setor, o aluno não é
mais um mero receptáculo de informações”. Na verdade, esse aluno tem um
mar de informações a seu dispor. “Logo, o grande desafio é poder
navegar este mar, saber se orientar e, para isso, a produção de mídia
gera uma visão crítica essencial”, completa ele, que foi repórter de
Educação da Folha de S.Paulo por dez anos e, desde 1997, é colunista do
Canal Futura e do site O Aprendiz.

Fotos com latinhas

Em Belo Horizonte, outra iniciativa de sucesso conseguiu romper até
mesmo as resistências de uma instituição considerada bem conservadora
nos métodos de ensino: a escola pública. A Oficina de Imagens tem, como
preceito educacional, a desconstrução das tecnologias de mídia. Se hoje
qualquer um pode fazer fotos com uma máquina digital, os alunos do
projeto vão às origem da fotografia para compreender a imagem.

Aprendem como os pintores renascentistas reproduziam imagens com uma
câmara escura. E fazem fotos com latinhas (furadas, com papel
fotográfico dentro, método chamado pin hole), criam textos, digitalizam
a imagem e colocam na internet a fim de trocar experiências (que podem
ser vistas em www.latanet.org.br). “Queremos mostrar o impacto da mídia
na vida das pessoas e mudar a forma de se ver o mundo”, explica
Bernardo Brandt, jornalista e presidente da ONG. “Esses jovens não vão
simplesmente seguir padrões pré-estabelecidos”.

A Oficina busca um público heterogêneo, não só adolescentes carentes,
mas portadores de
Oficina de imagens: desconstrução
das tecnologias de mídia.
deficiência mental e até jovens da classe média. Em
2003, começou a capacitar professores da rede pública local, que se
tornaram gestores e multiplicadores. A instituição contou também com
investimentos múltiplos. Instituto Mastercard (R$ 180 mil), Secretaria
Especial dos Direitos Humanos (R$ 150 mil), Unicef (R$ 40 mil) e
prefeitura de Belo Horizonte (R$ 100 mil) foram os principais. 

Este ano, deverá acontecer o segundo seminário da Rede CEP, onde será
apresentado um plano de três anos para a expansão do projeto. A
governança da rede, a captação de recursos e inserção na esfera pública
serão alguns temas debatidos. Local e data ainda não estão definidos.
Para Fernando Rosseti, um de seus dirigentes, a Rede CEP assemelha-se a
uma tática de guerrilha, com pequenas, mas significativas ações, que
pretendem desestabilizar o sistema educacional vigente a fim de
colocá-lo em sintonia com a Sociedade da Informação.

Manual de boa educação

Se as experiências de “educomunicação” no Brasil são bem sucedidas, sua
análise crítica, seu modus operandi e suas chances para o futuro estão
bem detalhadas neste Mídia e Escola – Perspectivas para políticas
públicas, do jornalista Fernando Rosseti, publicado pelo Unicef.
O autor, que trabalhou com educação em diferentes instâncias (grande
mídia, institutos privados, ONGs), registra no livro as experiências de
13 iniciativas de educom em diferentes estados brasileiros. Não apenas
documenta, mas diz por que dá certo ou de que forma facilmente poderia
dar errado.
Rosseti, em seu estudo, não é simplesmente otimista, tampouco
pessimista. Entende que o país ainda está atrasado, priorizando
técnicas autoritárias e verticais de organização da educação. Mostra
que, com a falta de projetos duradouros, as iniciativas educacionais
sérias no país, infelizmente, tornam-se meros eventos. Ou seja,
práticas interessantes e válidas, mas sem continuidade. Acabam quando
um político deixa o cargo ou uma empresa deixa de ter dinheiro para
investir.
Apesar das dificuldades imensas e complexas, Rosseti espera que o bom
vírus da experiência de educação participativa, crítica, antenada com a
arte e tecnologia se dissemine. E substitua, mesmo que gradualmente, o
modelo arcaico, descendente da palmatória, que enxerga o aluno como
mero recipiente vazio, pronto a ser preenchido de forma não
questionável com algum tipo de currículo escolar.