Conexão Social

Justiça se perde no mundo dos blogs


Webpáginas, que seriam um avanço em democratização das eleições, se tornam alvo de censura

Mariana Tamari

ARede nº41 Outubro de 2008 – No mundo todo, mais de 184 milhões de pessoas já iniciaram um blog. E cerca de 350 milhões são leitores que se utilizam dessa ferramenta de publicação de conteúdo, o que corresponde a 77% dos usuários ativos de internet. Os dados, do site Technorati, um dos maiores do mundo em análise de blogs, mostram que a “blogosfera” cresce a uma velocidade inimaginável, o que torna cada vez maior a necessidade de se compreender o seu funcionamento.

“Os blogs têm uma diferença fundamental em relação a outros instrumentos de comunicação. Qualquer pessoa pode emitir conteúdo, com muita facilidade. Assim como qualquer pessoa também pode questionar esse conteúdo. Há um novo paradigma na comunicação. Só que nós ainda não sabemos muito bem como reagir a isso. As pessoas sempre quiseram participar mais, mas antes não havia ferramentas para tanto”, acredita Daniela Ramos, pesquisadora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e professora de Novas Tecnologias da Faculdade Cásper Libero.

Em tempos eleitorais, a existência e o livre uso dos blogs seria um avanço em democratização da comunicação, de expressão do eleitor, de fiscalização dos candidatos e até mesmo um recurso para estabelecer novos modelos de campanhas. Porém, para a pesquisadora, nestas eleições municipais, devido às restrições em muitos estados do país, não foi possível avaliar todo o potencial democrático dos blogs. “O judiciário está extremamente atrasado. Me parece que há um enorme interesse em se manter uma hegemonia e bloquear a participação”, diz Ramos.

A polêmica começou antes mesmo do início oficial das campanha eleitorais, em 6 de julho, na cidade do Rio de Janeiro. Nessa época, estava proibida a propaganda eleitoral na internet, fora das páginas oficiais dos candidatos. O primeiro blogueiro profissional do Brasil, Pedro Dória (www.pedrodoria.com.br), ligado ao grupo Estado, fez, por sua conta, um banner pedindo a candidatura de Fernando Gabeira, do Partido Verde (PV) — que, naquele momento, ainda não estava definida. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) considerou o banner propaganda fora de época e pediu sua retirada do ar, fazendo uma advertência a Gabeira.

Depois desse caso, criou-se  uma comoção na blogosfera que acabou por resultar na liberação da campanha eleitoral, apenas no Rio de Janeiro, em redes sociais. O Tribunal Superior Eleitoral definiu que, para os demais estados, a campanha pela internet e em redes sociais seria determinada “caso a caso”. Essa determinação restritiva coibe a prática de apoio a qualquer candidato em blogs, por exemplo. Se você tem um blog e quer colocar o banner do candidato que você apóia para vereador ou prefeito da cidade, isso pode ser considerado propaganda ilegal e o candidato corre o risco de receber multa. No caso de redes sociais, se você colocar um banner do candidato no seu perfil do Orkut, sua página pode ser suspensa.

Foi o que aconteceu com Cibele Minami, turismóloga. Seu pai concorre à eleição para vereador em São Bernardo do Campo e ela colocou uma foto do logo da campanha em seu perfil no Orkut. “Durou quase a campanha toda, mas acho que alguém me denunciou. Um belo dia, tiraram meu perfil do ar. Perdi o contato de todos os meus amigos, mais de 300. Sumiram todas as mensagens. Mas fiz um perfil novo e coloquei meu apoio outra vez. Acho absurdo não podermos nos manifestar livremente na internet”, diz ela.

As leis confusas e cheias de brechas assustam os candidatos. Mariana Almeida, candidata a vereadora pelo PSOL em São Paulo, é editora do blog Outra Política (www.outrapolitica.wordpress.com) e teme pela continuidade do trabalho, que é coletivo. “Nosso blog é feito por várias pessoas, fala sobre vários temas, sempre políticos, mas não necessariamente sobre eleições. Ele já existia, antes de eu resolver me candidatar. Mas agora o grupo todo do blog, que não necessariamente está na campanha, teme por uma suspensão do projeto, porque a lei é confusa e permite interpretações arbitrárias”.

A eficiência dos blogs na troca com os eleitores foi o que fez o candidato a vereador pelo PSDB e ex-Racionais MC’s Primo Preto dar preferência à essa ferramenta em detrimento dos sites tradicionais (www.primopreto.blogspot.com). “Apesar de não ser eu quem cuida do blog [quem gerencia as informações é o brother Rassan] a gente escolheu essa ferramenta porque é mais dinâmica, mais simples e permite que o povo se manifeste. Sempre que quero saber como anda a temperatura da campanha dou uma olhada nos comentários do blog”, conta.

O TRE-SP acatou, no dia 18 de setembro, pedido do partido DEM para liberar campanhas eleitorais em redes sociais no estado. Antes tarde do que nunca? Não é o que pensa Daniela Ramos: “Liberar o uso das redes a duas semanas da eleição não possibilita o crescimento do debate político crítico. O espaço virtual é muito maior que o das mídias tradicionais, é muito diferente. Por isso, precisa haver, com urgência, uma atualização do judiciário sobre os assuntos referentes a meios eletrônicos”. Primo Preto vê vantagem na liberação da propaganda na rede mundial de computadores, mesmo que a pouco tempo das eleições: “Agora a gente vai começar a bombar nossos conhecidos de informações sobre a campanha. Essa restrição não faz sentido. Não é livre a internet? Quem se ferra com essas proibições são campanhas como a nossa, que não têm grana pra colocar 20 mil cabos eleitorais na rua, pra fazer boca de urna”.

Na contramão

O Brasil fez questão de dar início ao processo municipal de 2008 com restrições ferrenhas, mesmo diante de exemplos exitosos de campanhas na internet em outros países. O exemplo mais significativo é o dos Estados Unidos. Barack Obama, candidato democrata à presidência, teve arrecadação recorde no mês de agosto, somando US$ 66 milhões. De acordo com dados oficiais, centenas de milhares de pessoas comuns contribuíram, com uma média de US$ 68 por pessoa.

A campanha de Obama ficou conhecida, ainda na época das eçeições primárias, por ser uma máquina de arrecadação, contando com uma lista de 1,7 milhões de colaboradores, a grande maioria proveniente da internet. Sua campanha eletrônica, já nas prévias eleitorais, que disputou com Hillary Clinton, virou referência mundial pela força que adquiriu e pela participação popular que conseguiu agregar. Obama não apenas tem um blog junto com seu site, mas faz parte também de todas as redes sociais que se pode imaginar: Orkut, Facebook, You Tube, Flickr, MySpace e ainda bloga no Twitter.

A importância dos blogs para a informação e participação dos eleitores fica clara a partir dos dados do site Technorati, que aponta as cinco palavras-chaves mais anexadas em blogs nos Estados Unidos nos últimos 30 dias: política, economia, john mccain (candidato republicano à presidência do país), sarah palin (candidata republicana à vice-presidência) e barack obama.

Confusões jurídicas

Apesar do evidente potencial democratizador das redes sociais e dos blogs, a dificuldade da Justiça e dos profissionais do Direito em acompanhar a evolução tecnológica acaba emperrando o acesso à informação. Sites são omitidos por falta de compreensão das regras orgânicas da internet e pessoas são indiciadas por falta de conhecimento dos mecanismos básicos de funcionamento da rede mundial de computadores.

Foi o que aconteceu com o blog Twitter Brasil (www.twitterbrasil.org), dia 9 de setembro. O site foi retirado do ar após uma representação encaminhada pela coligação Fortaleza Cada Vez Melhor, da atual prefeita da capital cearense, Luizianne Lins, candidata à reeleição. O motivo da ação foi o surgimento de um perfil falso da candidata na rede social de microblogs Twitter (www.twitter.com), dos Estados Unidos. Assim, Twitter Brasil é um blog brasileiro que traz novidades sobre o Twitter mas não tem relação institucional ou técnica com a rede dos EUA. Por isso, o Twitter Brasil não poderia tomar qualquer providência quanto ao falso perfil criado no site estrangeiro.

“O site voltou depois de nove horas. Acho que a Justiça se assustou com o grito da blogosfera. Todos se sentiram ameaçados. Num primeiro momento, ninguém sabia se o que queriam era tirar todo o Twitter do ar ou apenas o perfil falso. Foi um erro grotesco”, diz Raquel Camargo, 21, uma das responsáveis pelo blog e única citada na representação. Isabel Motta, advogada da coligação fortalezense e responsável pelo processo, explica sua interpretação: “O Twitter Brasil foi citado na representação pois é o único site no país com relação nominal com a rede estadunidense. Nós temos de investigar uma coisa dessas. Como há relação nominal, achamos cabível mencioná-lo”. Apesar de defender com veemência sua petição, Motta garante que não foi ela, pessoalmente, a autora do equívoco. “Foi uma equipe da coligação que fez a pesquisa e encontrou essa relação entre o blog brasileiro e o estrangeiro. Não fui eu quem fez a pesquisa sobre os sites”, diz a advogada.

O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) acatou o pedido de liminar e ordenou ao provedor de internet que proibisse o acesso ao blog brasileiro. “A Justiça erra muito em casos como esse, mais técnicos. Mas dessa vez o erro foi da parte, e não do juiz. A parte confundiu o juiz. Mas logo em seguida ele viu o que tinha feito e voltou atrás”, explica o advogado de Raquel, Fernando Gouveia.

Outro caso curioso foi o do blog de notícias Nova Corja (www.novacorja.org), que trata de política com um enfoque irônico. Após uma crítica a diversos blogueiros que estariam recebendo dinheiro do governo do Estado gaúcho para colocar banners de propaganda em seus sites, o blog foi processado. O jornalista Políbio Braga, cujo blog tem um banner da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, está processando por danos morais Walter Valdevino, um dos integrantes do Nova Corja. O que é curioso é que o autor da matéria é Rodrigo Alvares e não Valdevino. “Colocaram o Walter Valdevino porque é em seu nome que está registrado o domínio do site. Mas quem escreveu foi o Rodrigo. Houve uma audiência de conciliação no dia 23 de setembro e os advogados da acusação pediram retratação. Felizmente, o promotor pediu 20 dias para vistas do processo, para averiguar se há condições técnicas de continuar o processo”, explica Leandro Demori, um dos integrantes da Nova Corja.