Conexão Social – O Linux na encruzilhada do mercado

No FISL 6.0 de Porto Alegre, o governo brasileiro reforça o compromisso com o software livre, e a comunidade enfrenta o desafio da profissionalização para o mercado corporativo.


No FISL 6.0 de Porto Alegre, o
governo brasileiro reforça o compromisso com o software livre, e a
comunidade enfrenta o desafio da profissionalização para o mercado
corporativo.
Patrícia Cornils

O 6o Fórum Internacional de Software Livre (FISL 6.0), realizado em
Porto Alegre (RS), entre os dias 1 e 4 de junho, mostrou o
comprometimento do governo federal com o software livre. Em mensagem
enviada para ser lida na abertura do encontro, o presidente Lula
reafirmou a decisão de efetuar uma ampla migração do parque do governo
para software livre. O encontro evidenciou, contudo, os limites desse
apoio: não existem linhas de crédito para software livre e não há
consenso no governo sobre a necessidade de um decreto presidencial
determinando às estatais que adotem soluções livres sempre que
disponíveis. Independente disso, o uso das plataformas livres avança,
tanto em projetos de educação – como a implantação de 182 laboratórios
nas escolas municipais de Belo Horizonte –, quanto de inclusão digital
– como os 120 novos telecentros da Bahia (saiba mais). E também
na formação profissional, caso do Projeto Técnico Cidadão, parceria do
ITI com a Sun para formar 500 jovens de baixa renda em cursos de
GNU/Linux, da linguagem Java e em outros programas de código-aberto
(saiba mais).



Ainda há muito o que fazer, no entanto, para que a redução das
barreiras à inovação, criada pela tecnologia computacional, seja usada
para gerar desenvolvimento sustentado, observa David Cavallo,
pesquisador e diretor do Media Lab, uma unidade do Massachusetts
Institute of Technology (MTI), um dos pólos de tecnologia dos Estados
Unidos. Para isso, o acesso à tecnologia não deveria depender de poder
aquisitivo. Democratizar esse acesso à tecnologia é o objetivo do MIT,
com o projeto do laptop de US$ 100, lançado em janeiro de 2005, no
Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça.


Cerca de 4,4 mil pessoas
se inscreveram no Fórum.
Para o professor Imre Simon, da Universidade de São Paulo (veja a entrevista), a mensagem do presidente da República demonstra o quanto o
país avançou desde que foi realizada a primeira edição do evento, em
2000. “Na época, somente o governo do Rio Grande do Sul tinha uma
política de apoio ao software livre”, recorda. Hoje, os programas de
inclusão digital citados na mensagem de Lula (Casa Brasil, PC
Conectado, além do Gesac, de conexões via satélite) usam plataformas
livres. “Esses projetos ainda precisam deslanchar e se solidificar, mas
representam um grande progresso”, diz Simon.


Padrão de qualidade

Com 4,4 mil participantes inscritos, o evento também mostrou que o
software livre está se profissionalizando, com a discussão sobre como
criar modelos de negócio que tornem o movimento sustentável. Uma dessas
iniciativas é a proposta de criação da Organização Mundial do Software
Livre (www.omslnet.org), anunciada pelo vice-presidente de tecnologia e
logística do Banco do Brasil, José Luiz de Cerqueira César. A OMSL
pretende estabelecer padrões para homologar distribuições de sistema
operacional e soluções livres, e atuar junto ao mercado para estimular
a contratação de soluções para grandes usuários.

Por pretender gerar empregos em desenvolvimento de códigos livres no
Brasil, o projeto da OMSL foi defendido por Jonh Maddog Hall,
presidente da Linux International. “As empresas que adquirem software
livre precisam de padrões, certificações e qualidade que já existem,
mas precisam ser organizados de uma forma a atender suas necessidades”,
explicou. A OMSL vai definir um conjunto de soluções de software que
fornecerá segurança, qualidade, suporte e apoio aos aplicativos. Com
esse conjunto, a entidade pretende estimular o uso de soluções livres
por grandes usuários, sejam empresas privadas ou governo. O desafio da
entidade, agora, é incorporar os interesses e a cultura da comunidade
desenvolvedora ao projeto.

O FISL 6.0 foi o evento que contou com o maior número de participantes
da Open Source Initiative (OSI) – inclusive de um de seus fundadores,
Eric Raymond, em sua primeira visita ao Brasil. Mais um sinal das
diferenças entre o primeiro FISL e o deste ano. Richard Stallman, da
Free Software Foundation, esteve no FISL de 2000. Ele milita pela
liberade do uso e reprodução do conhecimento depositado nos códigos de
software. O foco de Raymond, por sua vez, é a disputa entre soluções
abertas e proprietárias pelo mercado de software. “Para uma pessoa de
negócios, você tem que dizer: se você precisar de uma modificação ou
atualização, isso vai ser feito no seu cronograma ou no cronograma do
vendedor de software? Você sabe como esse software manipula os dados do
seu negócio? Então, eu acho que você não controla seu negócio: o
vendedor do software é quem controla. Agora…você quer ter o
controle?”, foi o discurso que fez no FISL.


Combate aos corsários

O Brasil é um grande usuário, mas ainda não contribui na mesma medida
com o depósito em repositórios abertos das soluções aqui desenvolvidas,
para que sejam usadas por outros desenvolvedores. De acordo com Marcos
Mazoni, presidente da companhia de processamento de dados do Paraná,
Celepar, é hora daqueles que estão usufruindo do software devolverem à
comunidade os sistemas desenvolvidos a partir das ferramentas livres.
Com essa intenção, o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB),
assinou no FISL um decreto no qual abre, com uma Licença Pública Geral,
os sistemas desenvolvidos pela Celepar para o governo do Estado. A
primeira solução disponível, no site do governo do Paraná
(www.pr.gov.br), é o Framework Celepar, um conjunto de ferramentas de
apoio e automação do processo de desenvolvimento de sistemas na
plataforma Java.

Comunidade discute necessidade
de certificação de profissionais.A capacitação de profissionais brasileiros foi a alternativa
apresentada por Sérgio Amadeu, presidente do Instituto Nacional de
Tecnologia da Informação (ITI), para combater o que ele batizou de
“rede corsária”: “a cadeia de pirataria que sustenta o monopólio do
sistema operacional e impede o crescimento do software livre em
residências”. Para Amadeu, a popularização do software livre pode
resultar da formação de jovens empreendedores para dar suporte a
pessoas que queiram migrar para soluções abertas, em vez de recorrer à
pirataria.

O Projeto Técnico Cidadão, parceria do ITI com a Sun, tem esse
objetivo. Vai capacitar 500 jovens de baixa renda, em São Paulo, Porto
Alegre, Rio de Janeiro e Brasília, em cursos avançados do sistema
operacional GNU/Linux, da linguagem Java e outros programas de
código-aberto, além de ensinar noções de empreendedorismo. Além disso,
vai criar o Portal do Jovem Empreendedor, onde interessados poderão
contactar esses profissionais para o suporte à microinformática e no
software livre. “Vamos formar uma rede livre contra a rede corsária”,
convoca Amadeu.


http://fisl.softwarelivre.org/6.0/
www.softwarelivre.org • Portal do Projeto Software Livre Brasil, um dos organizadores do FISL 6.0, com notícias do evento.
http://www.softex.br/observatorio/estudos.html • Pesquisa sobre o Impacto do Software Livre na Indústria de Software no Brasil, realizada pela Softex.
www.pr.gov.br • Governo do Estado do Paraná.