Mais de 20 etnias indígenas participaram da primeira Mostra Intercultural, que recriou o ambiente de uma aldeia.
Organizado pelos Pontos de Cultura, encontro em Brasília foi marcado por avanços, mas também por dificuldades
Carlos Minuano
ARede nº43 Dezembro de 2008 – Ora sob um sol ardente, ora embaixo de chuva intensa, Brasília experimentou uma singular mudança de ritmo, entre os dias 12 e 16 de novembro. O Complexo Cultural da República e a Esplanada dos Ministérios foram tomados por uma agenda repleta de apresentações artísticas, seminários, fóruns e oficinas. Durante a terceira edição do evento Teia, o encontro nacional dos Pontos de Cultura, que integram o programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, a capital brasileira sediou a diversidade cultural, com ritmos e cores vindos de todos os cantos do país. Já realizada nas cidades de São Paulo, em 2006, e Belo Horizonte, em 2007, a Teia deste ano teve um diferencial. Foi elaborada e executada sob a articulação da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (CNPC), composta por representantes eleitos pelos próprios Pontos de Cultura. “É o empoderamento, na prática”, afirmou o secretário de programas e projetos culturais, Célio Turino. Sem dúvida, um sinal de avanço. Mas que também revelou fragilidades. Um exemplo foi a necessidade de capacitação para quem vai trabalhar no encontro. Problemas de organização e de comunicação, entre outros, mostraram que não bastam recursos e equipamentos, é preciso saber utilizar as ferramentas disponíveis. “Foi a Teia possível”, afirmou o coordenador geral da Teia, Chico Simões.
Problemas à parte, o destaque desta edição foi o Fórum Nacional dos Pontos de Cultura (FNPC), na segunda edição. Com o fórum, a Teia — um movimento nacional, que começou como um programa governamental e extrapolou as fronteiras institucionais — está ganhando contornos de um movimento social. O FNPC reuniu representantes dos fóruns estaduais, das ações nacionais, além das áreas temáticas e redes que compõem o programa Cultura Viva. “Brasília é a capital da diversidade e foi projetada para que os iguais em direito pudessem expressar as suas diferenças”, ressaltou Simões. Reconhecido como a instância política dos Pontos de Cultura, o fórum, criado na Teia 2007, tem como objetivos fortalecer o Sistema Nacional de Cultura, fomentar a construção de marcos legais que reconheçam a autonomia e o protagonismo cultural do povo brasileiro e debater os avanços e desafios na gestão compartilhada do programa Cultura Viva.
Autonomia e protagonismo
As diretrizes apresentadas no fórum pelos Pontos de Cultura foram construídas ao longo de 19 encontros e fóruns estaduais, durante todo o ano. Etapa preparatória para a Teia em Brasília, o trabalho coletivo mobilizou cerca de 6 mil pessoas. Segundo a organização do evento, aproximadamente 600 delegados se inscreveram, de uma rede de 850 Pontos de Cultura. “Esse fórum é mais um degrau de maturidade dos Pontos de Cultura”, enfatizou Alexandre Santini, coordenador da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura.
Neste segundo fórum, a tônica das discussões foi a necessidade de que o programa Cultura Viva seja reconhecido como política de estado, incorporado ao Sistema Nacional de Cultura e amparado em dispositivos legais que qualifiquem a gestão compartilhada de políticasO evento deste ano foi organizado por uma comissão de representantes dos Pontos Cultura. públicas entre o estado e a sociedade civil. “Queremos a inserção definitiva da cultura na agenda política”, afirmou Santini. Cerca de 25 grupos de trabalho discutiram temas relacionados às diversas áreas de atuação dos Pontos de Cultura, como: culturas populares e patrimônio imaterial, matriz africana, cultura digital, juventude, artes cênicas, audiovisual, sustentabilidade, articulação em rede, entre outros. Esses grupos de trabalho aprovaram um conjunto de 125 resoluções específicas de suas áreas de atuação e 90 resoluções gerais sobre políticas públicas para a cultura.
Entre as resoluções, estão a regulamentação e a implantação do Sistema Nacional de Cultura, com definição de suas atribuições e ampla participação da sociedade; o reconhecimento pelo estado dos saberes e fazeres dos mestres e griôs de tradição oral e da cultura popular; a criação de mecanismos permanentes de apoio e incentivo, com estímulo à participação da juventude nas políticas públicas de cultura; destinação de 2% do orçamento da União para a cultura; e revisão da legislação que rege os convênios entre a sociedade civil e o estado, garantindo transparência, funcionalidade e agilidade aos processos administrativos. A coordenação do Fórum também realizou a eleição da nova Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, composta por representantes dos 27 estados brasileiros, e de 24 áreas temáticas e ações transversais reunidas nos Grupos de Trabalho.
Iguais na diferença
A Teia deste ano teve como tema os Direitos Humanos. A cada edição, a Teia tem um tema. Na primeira, em 2006, realizada no Pavilhão da Bienal de São Paulo, foi “Venha se ver e ser visto”. O objetivo era ocupar o principal espaço das artes no Brasil. “Teve o efeito do choque, da quebra de hierarquias na cultura e marcou o início da construção de novas legitimidades”, observou Célio Turino, secretário de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura. Em 2007, na capital mineira, o mote foi “Tudo de todos”. Na pauta dos debates, a construção de uma cultura comum e a integração entre educação, cultura e comunidade. A temática deste ano, “Iguais na diferença”, celebrou os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e focou a realidade brasileira, de discrepantes desigualdades.
Pontos de Cultura são iniciativas desenvolvidas pela sociedade civil e conveniadas com o Ministério da Cultura (MinC), por meio de editais públicos, sob a coordenação da Secretaria de Programas e Projetos Culturais do MinC. Atualmente, são mais de 800, por todo o país. Amplificadores de expressões culturais regionalizadas, em muitos casos se localizam nos rincões mais distantes. A Teia fortalece esses Pontos, articulando-os em rede. Um número relevante de instituições conveniadas apresenta bons resultados de aproveitamento e melhoria, apesar de dificuldades diversas. Com isso, o programa do MinC decidiu criar mecanismos de articulação entre os diversos Pontos, as Redes de Pontos de Cultura e os Pontões de Cultura. Não há um modelo único de instalações físicas, de programação ou de atividades. Mas um aspecto é comum a todos os Pontos: a transversalidade da cultura e a gestão compartilhada entre poder público e comunidade.
Tudo pronto para a abertura oficial da Teia 2008. O protocolo começa a ser quebrado, inicialmente por parte do secretário de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura, Célio Turino, que se emocionou em alguns momentos e foi ovacionado durante sua apresentação. Pouco convencional, o mestre de cerimônia e coordenador geral da Teia, Chico Simões, também protagonizou intervenções inesperadas. Uma delas ocorreu quando chegou a informação de que a equipe de comunicação da Teia – formada na maior parte por integrantes de Pontos de Cultura – não foi autorizada a gravar a cerimônia. A justificativa a seria uma suposta incompatibilidade técnica entre o equipamento da Teia, em plataforma aberta, e o sistema operacional proprietário do local do evento. Simões reclamou e manifestou sua indignação: “Viva o software livre!” Em seguida, haveria a exibição de um vídeo com uma mensagem do ministro da Cultura, Juca Ferreira. Porém, o computador travou, impedindo a fala do ministro. Os defensores do software livre não deixaram o incidente passar em branco: “É Windows…!”, gritaram.