12/10/2010
Do Tele.Síntese Análise
Perplexidade. Essa é a palavra que melhor exprime a reação do mercado e de técnicos do próprio governo diante da proposta de edital de licitação para a compra de 107 mil conexões, a maior parte via satélite, para o programa Gesac, do Ministério das Comunicações. A proposta, elaborada pela área de Acompanhamento de Projetos Especiais do ministério sem a participação da Secretaria de Telecomunicações até então responsável pelo programa, parece ter saído da cartola. Não foi discutida com o Comitê Gestor de Inclusão Digital do governo federal, envolve milhões de reais sem previsão orçamentária e prevê uma demanda de capacidade satelital para a qual não há oferta imediata. De acordo com representantes da indústria presentes à audiência pública realizada na terça-feira, 14, para apresentar os termos do edital, nem a união de todas as operadoras permitirá atender ao número de conexões pretendidas. Só o lançamento de novos satélites será capaz de suprir tal volume de conexões.
E para onde vão tantas conexões? Além de cobrir todas as 75 mil escolas rurais, a proposta envolve a conexão de 15 mil telecentros, dos atuais 12 mil pontos do programa Gesac que passariam a ter conexões de maior capacidade (dos atuais 512 kbps para 2 Mbps) e as mais de 5 mil restantes seriam usadas para expandir a rede de backhaukl, com links (4004) de 4 Mbps a 64 Mbps (24). De acordo com Carlos Paiva, coordenador-geral da Área de Acompanhamento de Programas Especiais, a ordem de grandeza da pretendida licitação é de R$ 300 milhões. Não só não existem recursos previstos no orçamento – o orçamento anual do programa Gesac é da ordem de R$ 40 milhões –, como o valor, garantem técnicos dessa área, está subestimado. Só o atendimento das 75 mil escolas rurais com conexões de 1 Mbps e garantia de entrega de 20% custaria, segundo esses cálculos, entre R$ 50 milhões e R$ 60 milhões/mês, o que dá pelo menos R$ 600 milhões/ano.
Números contraditórios
Outro ponto nebuloso da proposta, que certamente será acusada de eleitoreira pois é tecnicamente inconsistente, é o número de telecentros a ser atendido. Cezar Alvarez, coordenador dos programas de inclusão digital do governo federal, diz que a demanda existente do programa Telecentros.BR ao Ministério das Comunicações é o atendimento de 3 mil telecentros do edital lançado no final de 2009 e já concluído. “Além disso, recomendamos também a conexão de bibliotecas públicas, dentro de critérios a serem definidos pelo Ministério da Cultura”, afirmou. Ou seja, não se sabe qual é essa base de 15 mil telecentros, ainda mais se considerarmos que boa parte unidades instaladas por prefeituras,com equipamentos fornecidos pelo Minicom, já são atendidas pelo programa Gesac (estão dentro dos 12 mil pontos atuais).
Não bastasse tanto voluntarismo por parte da área de Acompanhamento de Programas Especiais do Minicom, a proposta de conectar via satélite todas as escolas rurais literalmente tromba com decreto do próprio ministério, assinado pelo então ministro Hélio Costa há um ano, que destinou a frequência de 450 MHz para comunicações rurais. Entre os pontos a serem atendidos pela rede a ser montada nessa frequência estão as escolas rurais. Como um mesmo ministério traça duas políticas públicas para atender ao mesmo objetivo? Não só há superposição de políticas como o atendimento via satélite é muito mais caro.
A Anatel garante que lança este ano a licitação para a faixa de 450 MHz. Já foi realizada a consulta pública para definição das regras de destinação do espectro, limpeza da faixa e condições de uso. A proposta, no momento, está em análise na Procuradoria da Anatel e deve ser votada ainda este mês pelo conselho diretor. Ela prevê a destinação de 14 MHz (7 mais 7) para as comunicações rurais. O leilão dessas frequências faz parte das medidas regulatórias elencadas pelo governo como fundamentais para o desenvolvimento do Plano Nacional de Banda Larga, especialmente para a conexão das escolas rurais já que todas as escolas instaladas em sedes de municípios estarão atendidas pelas concessionárias até o final deste ano.
Em tese, as operadoras interessadas em participar da licitação têm prazo até o final do mês para apresentar suas contribuições ao edital. Mas o que se espera é que o ministro das Comunicações, José Arthur Filardi, cancele essa licitação, produzida sem debate e em desacordo com as políticas públicas do próprio governo Lula. E não será a primeira vez que um edital elaborado sob o comando de Carlos Paiva tem esse destino. As duas licitações lançadas para a montagem de cidades digitais, uma em 2008 e outro este ano, terminaram suspensas.