A Educação na área rural ainda não conseguiu superar entraves históricos. Grandes distâncias, falta de infraestrutura, currículos descolados das realidades locais, professores escassos ou sem formação adequada são os principais problemas que os governos devem atacar, para reverter os baixos índices de escolarização no campo. Quando falamos de ensino Médio, a lista de dificuldades ganha mais um agravante — o jovem, na faixa de idade em que deveria cursar esse nível, por volta de 15 anos, já conta como um braço forte para complementar a renda familiar. Em grande parte das vezes, é obrigado a escolher: os livros ou o roçado. Para fazer as duas coisas, não tem escola próxima.
Levantamentos do Censo Escolar do Ministério da Educação (MEC) apontam que 60% dos jovens do campo que concluem o ensino Fundamental não continuam os estudos e, dos que continuam, 92% se deslocam para áreas urbanas. A média de escolaridade de um adolescente do campo é de 4 anos. Na cidade, de 7 anos.
No Amazonas, onde até o ano passado não existia ensino Médio na área rural, um projeto do governo estadual — pioneiro no país — dá um grande passo para recuperar o prejuízo. Todas as noites, 17 mil alunos vão à escola, em suas próprias regiões, para assistir aulas transmitidas ao vivo, pela TV, de um estúdio sediado em Manaus. São 524 salas, em 62 municípios do interior do estado, onde os estudantes se comunicam com os professores das disciplinas específicas por um sistema de videoconferência e também são assistidos por um professor de classe, que acompanha as tarefas, tira dúvidas e aplica provas.
Trata-se do programa Ensino Médio Presencial com Mediação Tecnológica, que beneficia pessoas como o barqueiro Daniel Carneiro Fonseca, de 39 anos, que fez o ensino Fundamental e depois ficou sem estudar por 18 anos. Agora ele encontrou um meio de continuar sua educação formal, sem precisar abrir mão da terra onde construiu a vida, com a esposa e os quatro filhos. Mais água do que terra, no caso de Daniel.
Ele mora e trabalha no município amazonense de Parintins, divisa com o Pará, pequena ilha à qual um brasileiro médio leva 27 horas para chegar, balançando em um barco que sai da capital do estado. Diariamente, às 5h, Daniel leva as crianças da comunidade de São Sebastião do Boto à escola local, pilotanto uma embarcação de rabeta. Às 16h, findo o dia de trabalho, é ele quem pega um barco para ir à escola onde cursa o segundo ano do ensino Médio. A aula vai das 19h às 22h. O cansaço, ele compensa com o sonho de fazer faculdade de agronomia: “Pretendo estudar informática e trabalhar com a defesa da natureza”.
O projeto de ensino Médio a distância foi lançado em 2007, oferecendo o primeiro ano do ciclo. Em 2008, começou o segundo ano e, em 2009, foi implantado o terceiro e último ano. O programa tem a mesma carga horária e o mesmo currículo dos cursos presenciais. “Os indicadores mostram taxas de aprovação e de permanência mais altas do que nos cursos convencionais”, comemora o mentor da iniciativa, Gedeão Timóteo Amorin, secretário de Estado da Educação e Qualidade do Ensino (Seduc). Dados da Seduc contabilizam 77,5% de aprovação das turmas do projeto em 2007, contra 60% de aprovação no ensino convencional do Amazonas em 2005. A evasão, no projeto, em 2007, foi de 16 %; enquanto no estado, em 2005, chegou a 26,8%.
Daniel Transporta estudantes
durante o dia. A noite, ele
assiste aula Nesse projeto, as prefeituras são parceiras importantes. Entram com o espaço físico — em geral, salas em escolas municipais, ociosas no período noturno. A transmissão das aulas é feita via satélite, por meio de uma solução de telecomunicações especialmente contratada para essa finalidade (Veja o quadro na página 32). Mas alta tecnologia, numa região de condições climáticas e geográficas adversas como a Amazônia, muitas vezes depende de infraestrutura básica. Para que o sistema funcionasse, metade das escolas onde foram abertas as primeiras classes tiveram de ser equipadas com geradores a diesel, em função do problema crítico de falta de energia na região.
O secretário Amorin informa que, para custear toda essa estrutura, capacitar professores e montar o Centro de Mídias de Educação do Amazonas, onde são produzidos os programas, o governo fez um investimento inicial da ordem de R$ 15 milhões. A manutenção mensal, segundo ele, fica por volta de R$ 300 mil: “A qualidade do ensino é melhor, há mais recursos didáticos. E sai mais barato do que as escolas convencionais, com despesas de custeio, folha de pessoal etc.”, avalia o secretário. Outra vantagem, de acordo com o secretário, é que o não requer tantos professores locais quanto a modalidade presencial, mas apenas um por turma. “A dificuldade de encontrar professores para a área rural foi um dos motivos de não termos conseguido, até 2007, implantar o ensino Médio no interior do Estado”, destacou o secretário.
Professores no estúdio
O corpo de professores especializados e a equipe pedagógica do projeto Ensino Médio Presencial com Mediação Tecnológica é concentrada no Centro de Mídias da Educação, ligado à Seduc. No Centro, existem dois estúdios de TV — um para as aulas do primeiro ano, outro para as do segundo. “Com o início do terceiro ano, em 2009, vamos inaugurar o terceiro estúdio”, informa José Augusto de Melo Neto, coordenador do Centro de Mídias. Como em qualquer programa de TV, as aulas têm uma produção prévia. Os professores preparam os roteiros, selecionam o material ilustrativo, com fotos, vídeos e animações. “Temos uma infinidade de recursos para tornar a aula atrativa”, diz o professor de História, Amaury Oliveira Pio.
O aplicativo IPTV, que roda sobre uma plataforma tecnológica com antena bidirecionais, permite interatividade. Os alunos podem conversar com o professor no estúdio. Franscisco Herculano Carneiro de Souza, professor de Artes, nunca havia trabalhado com educação a distância, mas está gostando da experiência. “O alcance social do projeto é muito importante. Com esse sistema, o jovem pode estudar sem precisar abandonar a sua terra”, analisa. O barqueiro de Parintins que dedica suas noites a aprender pode ser um exemplo de que as políticas públicas para retenção do homem no campo são o caminho do desenvolvimento regional. Ele tem muito claro o que vai fazer quando terminar os estudos: “Quero ser secretário do Meio Ambiente da minha cidade”. Boa sorte, Daniel.
A arquitetura do projeto Ensino Médio Presencial com Mediação Tecnológica é baseada em uma plataforma de telecomunicações via satélite, contratada em 2007 da empresa Hughes. Em dezembro de 2008, o governo do Amazonas fez uma ampliação: agora, são 406 estações em escolas, três canais de vídeo IP, 200 sites remotos e 4 Mbps de banda de internet. “O projeto tornou-se referência para outras localidades do Brasil e do mundo”, afirma Ricardo Amaral, gerente de Negócios de Educação da Hughes. O estado da Bahia está interessado em adotar o sistema, revela Gedeão Timóteo Amorin, secretário da Educação e Qualidade do Ensino (Seduc) do Amazonas.
A Hughes fornece ainda aplicativos em software IPTv, logística de transporte, instalação e ativação das estações, manutenção do sistema e dos sites remotos. Os conteúdos produzidos no Centro de Mídias, em Manaus, são enviados em IP-MPeg4 via enlace satelital determinístico em banda Ku para o centro de operação da rede (NOC) da Hughes, no Estado de São Paulo. Esse conteúdo é retransmitido para as escolas em multicast. Nas escolas, estão instalados equipamentos Hughes: uma unidade interna, o modem-router modelo HN7000S, e uma externa, com rádios de 2W, LNB e antenas de 1,8 m de diâmetro. Cada sala de aula recebe Antena VSAT bidirecional, roteador-receptor de satélite, cabeamento estruturado (LAN), microcomputador, webcam com microfone embutido, TV LCD 37 polegadas, impressora a laser e no break. Complementam a solução o acesso à internet em banda agregada ofertada pela Hughes, tanto via satélite quanto pelo backbone internet no NOC Hughes, em São Paulo.