Opinião – Democracia na internet

A evolução da internet no Brasil ajuda a compreender a complexidade das questões relacionadas à apropriação dos benefícios do progresso técnico.
Arthur Pereira Nunes*

A
evolução da internet no Brasil ajuda a compreender a complexidade das
questões relacionadas à apropriação dos benefícios do progresso
técnico. Originária da comunidade acadêmica, a internet rapidamente se
tornou valioso instrumento das entidades civis e incorporou-se ao mundo
dos negócios. Contudo, esse desenvolvimento tecnológico repleto de
promessas se defronta com os problemas da sociedade onde ocorre. O mais
visível deles denominado exclusão digital. Como tratar desse tema, do
ponto de vista de uma sociedade em desenvolvimento? Que soluções
institucionais construir para uma estratégia que aumente a autonomia
tecnológica?

De início, torna-se necessário distinguir autonomia tecnológica da
auto-suficiência. Autonomia tecnológica é aqui empregada como a
capacidade de decidir entre opções tecnológicas com conhecimento das
suas implicações técnicas, industriais, econômicas, sociais. Enfim,
governar-se por si mesmo. Diferente, portanto, de auto-suficiência de
bastar-se a si próprio, produzir absolutamente tudo o que necessita.
Essa distinção feita, cabe considerar que a internet veio dar expressão
a uma nova fase de desenvolvimento tecnológico, com profundas
repercussões nas estratégias de políticas públicas. Nos anos 70, o
computador era entendido como um bem de produção, e os instrumentos de
políticas públicas priorizavam a sua difusão nas empresas e eventual
produção local. Nos anos 80, a expansão do uso do microcomputador e
conseqüente penetração nos lares, tornou-o um bem de consumo. E passou
a requerer instrumentos de políticas próprios a esse segmento. A
convergência simbolizada na nova relação informática/telecomunicações
cresce nos anos 90 e fornece o pano de fundo da expansão das
comunicações e das novas redes. Com a internet, a tecnologia da
informática passa a representar um bem cultural e, por conseguinte, a
demandar políticas que respeitem essa especificidade.

E que tipos de relações institucionais construir e desenvolver? A
democratização da internet assume seu mais relevante significado. A
recente experiência brasileira representa um marco em âmbito mundial. A
Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, em Genebra (2003), destacou
a polêmica sobre a Governança da Internet. O caso brasileiro é uma
experiência concreta de modelos alternativos, que considerem as
necessidades dos países em desenvolvimento. A opção brasileira pela via
da democratização da internet encontra-se ainda nos seus estágios
iniciais. E mudanças importantes já ocorreram. A mais significativa, na
composição do Comitê Gestor da Internet do Brasil. Fato inédito, toda
a  epresentação da sociedade civil é constituída por membros
eleitos – 11 representantes num total de 20. Vinculado às necessidades
dos setores organizados, o Comitê terá sua ação cada vez mais
influenciada pela composição resultante desse processo. Aí estão
representados Terceiro Setor, comunidade científica e tecnológica,
empresarial, além do governo.

Estima-se que cerca de 20 milhões pessoas tenham acesso à rede. A
quantidade de hosts – máquinas que operam sob o .br – aproxima-se de 4
milhões, o que situa o Brasil entre os nove países com maior
participação na internet. Contudo, a participação dos que têm acesso,
em relação ao total da população, é extremamente baixa, revelando a
urgência de projetos arrojados de inclusão digital. A ênfase nos
aspectos da infra-estrutura não deve sobrepor-se aos relacionados à
produção de conteúdo, necessidades educacionais e de preservação da
identidade linguística e cultural, por exemplo. A disponibilidade de
infra-estrutura é condição necessária, mas não suficiente Os melhores
caminhos serão definidos numa gestão democrática, que valorize ações
concretas e comprometidas com o país.

* Participou da implantação da Política Nacional de Informática e coordenou o Comitê Gestor da Internet, 2003 a maio de 2005.