Opinião – Para aonde vai a internet?


Carlos A. Afonso *


A
primeira fase da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CMSI),
concluída na reunião de Genebra de dezembro de 2003, deixou dois temas
cruciais em aberto. O primeiro trata de como financiar a implantação
das tecnologias de informação e comunicação para o desenvolvimento; o
segundo, da governança global na internet — como criar, melhorar ou
adaptar mecanismos globais que permitam tratar dos temas centrais
derivados da presença cada vez mais abrangente da internet em todas as
nações. Para discutir essas questões, a ONU criou dois grupos de
trabalho internacionais — a Força Tarefa sobre Mecanismos de
Financiamento (FTMF, ou TFFM em inglês), cujo relatório foi divulgado
em janeiro de 2005; e o Grupo de Trabalho sobre Governança da Internet
(GTGI, ou WGIG), que apresentou o seu trabalho em julho. Ambos
relatórios servirão de insumos para o processo preparatório da segunda
fase da CMSI, que culmina com uma conferência internacional na Tunísia,
em novembro de 2005.

A governança global da internet é um tema que envolve poderosos
interesses. Afinal, trata-se de definir ou aperfeiçoar a coordenação
global dos diferentes componentes da rede, desde a infra-estrutura até
os métodos adequados de eventual supervisão de conteúdo. Um consenso já
existe: do jeito que está não pode ficar. Não há um foro mundial para
estabelecer acordos efetivos relativos à internet para o
compartilhamento justo dos custos de conexão entre países, para definir
políticas eficazes contra spam e phishing, para garantir a liberdade de
expressão, o direito à informação e muitos outros direitos (e deveres)
que, com a presença inevitável da internet em nossa vida — mesmo na
das pessoas que a ela não têm acesso –, passam a ser cruciais.

Um componente fundamental da governança é exercido por uma entidade
civil sem fins de lucro criada pelo governo Clinton na Califórnia, em
1998 (a Corporação Internet para Designação de Nomes e Números,
conhecida pela sigla em inglês ICANN). A entidade coordena a
distribuição mundial de nomes de domínio de primeiro nível (tanto os
globais, como ".com", ".net", ".org", etc., como os nacionais, como
".br", ".iq", etc.), através da gerência dos servidores-raiz que
permitem associar esses domínios a endereços IP (números que
identificam univocamente qualquer computador conectado à internet).
Coordena ainda a distribuição mundial dos endereços IP e a adoção dos
protocolos de comunicação utilizados pela rede. O controle sobre a
ICANN é mantido pelo governo dos EUA através de contratos envolvendo a
entidade, o governo federal e a empresa Verisign. Um desses contratos,
um memorando de entendimento entre a ICANN e o Depto. de Comércio,
expirará no final de setembro de 2006 – significando que a ICANN
passaria a operar de modo mais autônomo (se bem que ainda sujeita, como
ONG nacional, às leis federais dos EUA e do estado da Califórnia). No
entanto, o governo dos EUA, em declaração recente, diz que, mesmo com o
fim do memorando, não permitirá que o controle real sobre a
infra-estrutura lógica deixe de pertencer aos Estados Unidos, alegando
razões de "segurança e estabilidade" da rede.

Por outro lado, uma das demandas mundiais é que a governança da rede
passe a ser global, democrática, transparente e pluralista, com
representação de todos os grupos de interesse no processo decisório.
Alguns países chegam a defender que a governança da infra-estrutura
lógica seja entregue à UIT (União Internacional de Telecomunicação),
organismo da ONU com representação de cerca de 80 governos e de 600
empresas, mas que não se caracteriza pela democracia, transparência e
pluralismo. Se há um consenso claro no relatório do GTGI, é que a
governança mundial de qualquer componente da internet não pode estar
sob a hegemonia de um único governo. O que vai acontecer no debate dos
subcomitês preparatórios temáticos da CMSI, de agora até Túnis, só o
tempo dirá, mas é crucial que as entidades civis estejam participando
intensamente, para insistir na pluralidade e democracia para qualquer
futuro mecanismo global de governança.

[*] Carlos A. Afonso é diretor de planejamento e estratégias da Rede de
Informações para o Terceiro Setor (Rits), conselheiro do Comitê Gestor
da Internet no Brasil e membro do Grupo de Trabalho sobre Governança da
Internet da ONU.