Opinião – Sem generalizar*


Paulo Lima**


O lugar político ocupado pelas entidades da sociedade civil na jovem
democracia brasileira precisa ser debatido. Os meios de comunicação têm
conduzido a opinião pública a uma avaliação negativa desse espaço. A
precarização do debate sobre as relações entre Estado e sociedade civil
facilita a simplificação, a compreensão de que organizações
não-governamentais (ONGs) estariam a serviço de projetos partidários ou
de captação de recursos para campanhas políticas. É importante tornar
mais preciso sobre o quê estamos falando. O que são as ONGs? O que
significam na história e que contribuição elas têm dado à superação dos
problemas sociais brasileiros?

“Uma ONG é constituída pela vontade autônoma de mulheres e homens,
que se reúnem com a finalidade de promover objetivos comuns de forma
não-lucrativa. Nossa legislação prevê apenas três formatos
institucionais para a constituição de uma organização sem fins
lucrativos, com essas características – associação, fundação e
organização religiosa. Por não ter objetivos confessionais,
juridicamente, toda ONG é uma associação civil ou uma fundação privada.
No entanto, nem toda associação civil ou fundação é uma ONG. Entre
clubes recreativos, hospitais e universidades privadas, asilos,
associações de bairro, creches, fundações e institutos empresariais,
associações de produtores rurais, associações comerciais, clubes de
futebol, associações civis de benefício mútuo, etc., e ONGs, temos
objetivos e atuações bastante distintos e, às vezes, até opostos”
(Associação Brasileira de ONGs (Abong), em  www.abong.org.br/novosite/livre.asp?cdm=2310 ).

Mas ONG não é uma categoria jurídica. Pertencer a uma ONG é uma
condição histórica. É pertencer a um movimento, a uma luta pela
redemocratização, à resistência ao arbítrio. É a crença de que suas
causas são contribuições para a implementação de projetos
demonstrativos, criatividade no enfrentamento dos problemas sociais,
com legitimidade nas comunidades onde o Estado perdeu sua condição de
ação. Não se trata de qualquer ação de associativismo, sempre
bem-vinda, mas de um tipo específico de intervenção no território e de
relação com o Estado. Autonomia e independência são palavras-chave
nesse posicionamento. Sei que sempre se corre risco em afirmar que a
culpa seria da imprensa, mas não se trata disso. Trata-se da afirmação
necessária de uma posição como ator político no aprimoramento da
democracia, e a mídia tem um papel destacado nesse debate.

A generalização sobre todos os escândalos de corrupção recentes no
Brasil tem uma ONG – que não é ONG – envolvida. Diz-se que as ONGs do
político A ou do partido B são parte do processo. ONG não deve ter
“dono”, deve ter “conselho”, voluntários que “emprestam” seu prestígio
e empregam horas de trabalho na sua avaliação. É preciso dizer também
que parte do empresariado brasileiro, escorada no caixa dois, na
corrupção, não merece o mesmo tratamento. É um linchamento às ONGs e
uma absolvição do empresariado que criou os mecanismos da corrupção com
recursos públicos?

Do lugar político das ONGs, devo dizer que toda a gestão de recursos
públicos é severamente auditada e acompanhada. E assim deve ser. O
Tribunal de Contas da União, as auditorias dos ministérios são
igualmente responsáveis por qualquer irregularidade, assim como o
gestor do projeto na ONG. Não podemos naturalizar a idéia de que ONGs
ou associações civis sem fins de lucro têm facilidade legal ou são
veículos para a corrupção. Ou atentamos para isso agora ou o Brasil
poderá destruir o que de mais dinâmico e original foi criado em sua
história recente.


* Veja a íntegra do artigo na Revista do Terceiro Setor (www.rets.org.br)
** Paulo Lima é historiador e diretor-executivo da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits).