FSFLA desvenda o código secreto do programa da Receita Federal
Verônica Couto
Um dia antes do encerramento do prazo para a entrega das declarações do Imposto de Renda, no final de abril, uma versão do software
da Receita Federal (IRPF2007) com o código-fonte aberto chegou à
internet. O IR2007-livre resultou do trabalho de Alexandre Oliva,
integrante da Free Software Foundation Latin America (FSFLA).
Alexandre garante que gerou na versão livre sua própria declaração de renda, que foi transmitida e aceita online,
sem problemas, de um computador de uma agência do Banco do Brasil. A
decisão de mexer no programa teve duas principais motivações: a adesão
incondicional do desenvolvedor às plataformas abertas (ele seria
obrigado a usar uma proprietária para fazer a declaração); e a
confiabilidade das informações entregues à Receita Federal. “O processo
não tem autenticação nenhuma. Se a Receita disser que você não
entregou, não há como provar o contrário. O recibo emitido não tem
nenhuma certificação”, critica. A não ser, claro, para os usuários que
já disponham de certificação digital — e que são poucos.
De acordo com Alexandre, os arquivos são entregues à Receita Federal
utilizando um formato secreto, fechado, o que tornaria impossível para
o contribuinte ter certeza de que a informação enviada corresponde a
que ele vê durante o preenchimento do formulário, ou do que acontece
com ela a partir da sua transmissão. “Tenho que confiar na Receita. Se
a minha declaração desaparecer, o que eu faço?”, questiona. Esse
algoritmo secreto, contudo, foi identificado pelo integrante da FSFLA,
com a ajuda de descompiladores (programas que traduzem a linguagem de
máquina para o código-fonte, que os programadores entendem). “Depois do
que eu fiz, sei como se calcula esse algoritmo e sei que ele é
inseguro”, adverte Alexandre.
A questão também é ética, destaca. “Como o governo pode me
obrigar a adquirir uma licença de software proprietário [Windows, da
Microsoft, ou Java, da Sun], para ver um conteúdo de interesse
público?”.
Alexandre acusa, ainda, a Receita de infringir a lei de direito autoral no software,
desrespeitando várias das licenças de componentes e bibliotecas de
códigos usados na produção da versão Java para GNU/Linux do IRPF2007.
Dois casos envolvem componentes sob licença GNU LGPL, que requer a
distribuição, com o programa que os utilize, dos seus códigos-fonte
correspondentes. “A Receita Federal não fez isso”, explica.
A versão Java para Linux do IRPF2007 funciona, em tese, em qualquer
computador com uma “máquina Java virtual”. Existem muitas — Café, GNU
Java, etc. Alexandre garante, contudo, que o programa da Receita só
funciona com a implementação Java, ainda proprietária, da Sun
Microsystems.
O supervisor nacional do Imposto de Renda, Joaquim Adir, declarou ÀRede,
no início de maio, que não havia visto a alternativa livre, gerada por
Alexandre Oliva, da FSFLA, para a versão Java IRPF2007/Linux. Ele diz
que algumas das solicitações do desenvolvedor, especialmente no que se
refere às licenças dos programas usados, foram encaminhadas ao
departamento técnico. Mas a publicação de uma licença de uso para o
próprio sistema da Receita é uma incógnita. “Nem sei se nós temos. O
importante é ter as dos outros [componentes]. O nosso é um produto que
muda anualmente. Pedi para a área de tecnologia, mas não sei se temos”,
afirmou.
Ele também adianta que são poucas as chances de a Receita liberar o
código das versões oficiais futuras do programa. ”Temos críticas
internas e validações, e, para garantir essas críticas, o código deve
ficar fechado”, argumentou. Para ele, “a segurança é incompatível com
coisas liberadas, com softwares totalmente livres”. E, segundo Joaquim, só serão reconhecidas as declarações entregues com os programas disponíveis no site da Receita Federal.
www.lsd.ic.unicamp.br/~oliva/snapshots/irpf2007-livre/ — Para acessar o IRPF2007-livre, de Alexandre Oliva.